O vestibular - esse ritual cruel pelo qual jovens brasileiros de classe média para cima são obrigados a passar - revela um descompasso entre o sistema universitário brasileiro e as demandas do mercado profissional moderno.
No Brasil garotos de 17 anos são obrigados a tomar uma decisão que, teoricamente, vai marcar toda a sua vida. Quem conhece jovens nessa faixa etária sabe do absurdo que é impor a eles decisões desse porte.
O adolescente está começando a experimentar o mundo de forma independente, está testando os limites de tudo, e por isso, erra, muitas vezes de forma literalmente fatal.
O erro está na natureza da experimentação e o importante é que o jovem seja incentivado a continuar experimentando. É assim que qualquer um cresce e amadurece. Aliás, uma das coisas chatas da velhice é que muitos começam a ficar com medo de experimentar, e vira aquele tédio danado.
Mas o vestibular - e, mais especificamente, o sistema universitário brasileiro - despreza tudo isso. Impõe um ritual em que o erro traz o risco de "não dar certo na vida". É antipedagógico: diz ao adolescente que ele, agora, não pode mais experimentar.
Na década passada, a PUC de São Paulo tentou implantar o Ciclo Básico. No lugar de escolher imediatamente seu curso, o estudante fazia dois anos de conhecimentos gerais na universidade. Só depois disso é que definia sua área.
Não deu certo. A cultura brasileira já está de certa forma habituada a esse ritual e exige uma definição precoce do jovem. A PUC começou a perder alunos e voltou ao esquema anterior.
Nos EUA, o curso de graduação é chamado de "undergraduation", ou subgraduação. É muito mais parecido com o ciclo básico que a PUC experimentou do que com a tradicional graduação universitária brasileira.
Os jovens americanos já entram na universidade sabendo que farão uma pós-graduação - que lá se chama "graduation". É nela que se especializarão. A "undergraduation" é uma fase de experimentação.
E o que isso tem a ver com o mercado profissional? Hoje, acima de qualquer coisa, o profissional precisa ter uma formação ampla - em línguas, geografia, história, antropologia, literatura. É esse o profissional que consegue se adaptar melhor à estonteante velocidade com que as coisas estão mudando.
Mas no Brasil, não. A cultura é cartorial: todos querem receber o mais rápido possível um papelzinho que o define como profissional: médico, jornalista, engenheiro... Mesmo que isso indique que ele não vai conseguir emprego na área em que se formou.
Há novas experiências de vestibular em curso no Brasil - como a avaliação continuada no ensino médio (2º grau), em que o jovem faz exames ao longo de três anos, escapando da prova única e definitiva.
Mas isso é apenas o começo. O que precisa mudar não é nem tanto o procedimento de seleção de alunos e sim a especialização precoce que está sendo imposta pelo sistema universitário brasileiro.
E é esse sistema - responsável pela produção de conhecimentos na sociedade - que tem de apontar para uma mudança cultural na qual essa especialização precoce, simbolizada pelo diploma de graduação, deixe de ser tão valorizada pelos brasileiros.
O profissional do século XXI terá de estudar a vida toda.
Fernando Rossetti é repórter da Folha de São Paulo.
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